De mulher para mulher, Amanda

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Imagem: Quinn Dombrowski

– O zíper da calça estourou! E a calça era nova. Comprei pra usar hoje mesmo.  (…) Também não estou gorda. (…) Ora, quem diz é a balança. Justo hoje que tenho um encontro. Quer dizer, nem sei se é um encontro, mas eu e o Júlio combinamos de uma tomar uma cerveja hoje. (…) É amada, hoje, depois do expediente. Olha, depois eu conto como foi, ok? Beijos.

Amanda foi a única testemunha do segundo exato em que o relógio de ponto converteu o tempo de 17h59 para 18h. Meteu o dedo no leitor, registrou a alforria e correu ao shopping. Quarenta e cinco minutos a separavam de mais uma longa rodada encalhada na casinha dos 33 anos.

Nunca aquele aglomerado de lojas lhe pareceu tão grande e pouco promissor. Onde encontrar uma calça tamanho 42, que ficasse ao mesmo tempo certa na cintura, nos quadris e na barra? E que fosse preta. Sem brilhos, sem lavagens excêntricas, sem frescuras.

Cinco, dez, quinze minutos ela devastou os corredores sem que avistasse a bendita calça. Já nem fazia questão de preço, desde que surgisse naquele instante.

Foi quando Amanda viu a Ellen, do financeiro, saindo de uma loja alemã de roupas. Ellen era tanto a mulher mais bem-vestida quanto a mais antipática da empresa. Na falta de qualquer outro sinal, resolveu seguir aquele mesmo.

Pediu a calça preta 42 à primeira vendedora. A mulher garantiu que havia pelo menos uma no estoque. Conferiu no computador: ainda restava uma peça.

Amanda apelou:

– Olha, moça, vou falar a verdade: tenho um encontro com um cara muito legal daqui a pouco. Meu zíper estourou, veja! Preciso dessa calça! Se não, que jeito? Não posso sair com ele com tudo aparecendo, né?

E aí aquele mulherio se solidarizou. Até a gerente entrou na busca pela tal da calça preta 42. Ula foi checar o estoque, Erika ficou com a arara principal e Mina passou o pente fino na seção de promoções. Wanda vasculhou a pilha de peças rejeitadas do provador. E foi ali, meio jogada numa das cabines, que ela encontrou o tal dos jeans preto, reto, básico, 42.

Amanda foi logo tirando a calça estourada. Prendeu o fôlego e botou a peça nova.

– Solta o ar porque se for pra estourar é melhor aqui do lá com o bofe! – preveniu a Erika.

– Verdade, respira direito. Qualquer coisa a gente põe a loja abaixo, mas acha outra pra tu. – garantiu a Wanda.

Rezando em silêncio, Amanda contou até dez e foi deixando o ar fluir. Andou um pouco pela loja, testando a roupa. Sentou num pufe, esticou a perna, levantou. A gerente trouxe um sapato alto para que ela pudesse ver melhor o caimento. Endireitou as costas ao se ver no espelho. Salva.

Uma delas ainda lhe sapecou um brinco na orelha e uma segunda acrescentou uma echarpe, por conta da casa, garantiram. Amanda ainda pensou em chorar por um desconto, mas não quis abusar da sorte. Enquanto pagava, a Wanda, talvez, teve o cuidado de cortar a etiqueta da peça. E a gerente lhe devolveu a calça estourada, embrulhada como nova, na bonita sacola da grife.

– Atrás do nosso cartão, coloquei o número de uma costureira ótima, de confiança, que fica perto daqui. Agora vai lá e trata de amarrar esse strudel!

Com aquele primeiro milagre, quase roubado da Ellen do financeiro, Amanda foi ao encontro confiante de que um dia contaria aos filhos que eles foram resultado de um zíper estourado e da comunhão de meia dúzia de vendedoras. Quanto ao Júlio, ele ainda deve estar tentando se convencer de que uma cerveja com uma mulher como a Amanda, possa ser mesmo apenas uma cerveja.

Sobre Aline Viana

Aline Viana nasceu em São Paulo, em 1981, mas prefere que não espalhem a que safra pertence. É formada em jornalismo. Cansada de tanto quem, o quê, quando, onde, como e porque resolveu entrar em um curso de crônicas. Foi um santo remédio para recuperar a saúde de seus textos. Se o diagnóstico está correto, você pode checar nos blogs: cronicasdas12.blogspot.com e semanalmente no vidasetechaves.wordpress.com . Novos pareceres são sempre bem-vindos.

Um Comentário

  1. Gosto da agonia do cotidiano
    Gosto da aflição …
    Gosto do humor com trocadilhos, que em verdade ampliam a nossa leitura-viagem!!
    Gosto da queda da heroína …
    Gosto …
    Muito obrigado!!!

  2. rute santos

    Muito bom!!!!Hahahahahaha….nossas desventuras “fashionistas” para impressionar, sempre!rs

  3. Ah, não sei não! A calça nova estava lá, jogada, esperando por ela. Aquela calça é poderosa…
    Gostei. Beijão.

    • Aline Viana

      Pôxa, Maria Teresa, ótima sacada! Mas, às vezes, pode ser o contrário também, né? Sei lá, vai ver a outra calça não ia muito com a cara do Júlio, rsrs

  4. Aline, é sempre bom ler suas histórias. Essa então! Qual mulher já não passou por algo parecido? Adorei a solidariedade na loja. Coisa rara hoje em dia. Parabéns!

    • Aline Viana

      Obrigada, Roseli 😉 Então, acho que nesses causos de amor as mulheres tendem a ser super solidárias, ainda bem, né? rsrsrs

  5. Legal como a história prende a atenção do início ao fim. Parabéns!

  6. Quanta emoção! A gente torce por ela o tempo todo. O cotidiano é fascinante se bem retratado, coisa que a Aline sabe fazer muito bem!

  7. naneteneves

    Protagonista encantadora numa história que nos faz torcer de tão verossímil. Mulher é solidária sim nessas horas, quem já não viveu algo parecido?

  8. Ricardo Gomes

    Adoro a sua rara habilidade em transformar o prosaico em épico! Acho que essa é a característica dos seus textos que eu mais gosto! Bom como sempre!! Muitos beijos!!

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