Tudo pronto. Quarteirão cercado pela polícia. Helicóptero Águia. Ambulância. Os atiradores de elite aguardavam a ordem. Um cachorro atravessa a rua. Antes disso…
O casal e seu filho adolescente sentiam-se vazios. Solitários. Frios. Quase não se falavam. Reclusos em seus dispositivos. Não brigavam. Não discutiam. Mas faltava algo naquela casa.
O marido decidiu ir ao apartamento do amigo pastor. Na rua de cima. Esse amigo trazia sempre uma boa palavra. “Oração não faz mal para ninguém. Vamos lá”, assim ele convenceu a esposa e o filho a também irem.
– Durante todo o sábado não vão usar celular, internet, nem assistir tevê. Será um jejum total para o Senhor.
– Isso é impossível – disse o adolescente. – Como os meus amigos vão me achar sem internet e celular?
– Vou perder as novelas no sábado? – se perguntou a mulher.
– Rádio pode? Poderia acompanhar o meu time pelo rádio – quis saber o homem.
– Não. Será um jejum eletrônico: total.
– O que vou fazer sem o meu netbook, game, smartphone?
– Se vejam. Conversem. Sintam-se. Vivam-se.
– Ficar sem o Face? Sei não. Acho que vou passar mal. Não vou aguentar.
– Você pode ir ao parque, teatro, cinema. Leia a Bíblia. Libertem-se dos seus eletrônicos… Ou continuem escravos.
Na noite de sexta, enfim, concordaram que nas vinte e quatro horas do sábado iriam fazer o jejum.
O tablet do marido e a tevê permaneceram desligados no café da manhã.
– Que silêncio – disse a mulher.
– Estranho, né? Mas, sabe?, até que não é ruim.
– É. Me sinto, sei lá, diferente. Não sei explicar… Cortou o cabelo, bem?
– Cortei desde a semana passada. E você mudou a cor do seu?
– Mudei desde o ano passado.
O rapaz, que fora dormir cedo, apareceu na cozinha para tomar café.
– Nossa. Como esse menino cresceu?!
– Outro dia ele era um nenê. Cresceu de repente.
Não lembraram a última vez que tomaram o café da manhã juntos.
Na sala: – Mas e agora? O que vamos fazer?
Olharam à tevê. O computador. Tablet e celular no sofá. Lembraram do amigo pastor. Ele havia emprestado três Bíblias. Um bilhete trazia sugestões de leitura.
O rapaz leu o Apocalipse. O marido se emocionou com a história de Davi. A mulher preferiu Ester.
– Esse Apocalipse é irado! Imaginem só: vi subir do mar uma besta que tinha sete cabeças e dez chifres. Era semelhante ao leopardo, e os seus pés como de urso, e a sua boca como de leão.
– Eu pensava que a história de Davi se resumia matar o gigante.
– A Ester foi uma mulher surpreendente.
– E essa, então, escutem: os quatro animais tinham seis asas, e ao redor, e por dentro, estavam cheios de olhos… É muito louco! Vou tentar desenhar esses seres.
No almoço. Em vez de pedir lanche. A mãe foi para a cozinha preparar um almoço especial de sábado. O marido ajudou. O filho se divertiu com a sobremesa.
À noite, sem pizza, caminharam na Paulista. Descerem na estação Consolação e seguiram sentido Paraíso. Por volta das dez jantaram num chinês.
No domingo estavam liberados do jejum. Mas resolveram, bem cedo, irem ao Ibirapuera. Desplugados. Trocaram os digitais pelas analógicas bicicletas. O carro continuou na garagem.
Na volta. Final de tarde. Havia uma multidão em frente de casa…
Policiais. Sogras. Irmãos. Primos. O cachorro acompanhava o paramédico. Os vizinhos não entendiam. No sábado, ouviram conversas. Risadas. Cheiro esquisito de boa comida. No domingo, uma não movimentação estranha. “É bom dar uma olhada. Aconteceu alguma tragédia aí”.
Quase quarenta e oito horas offline. Sem SMS. Sem postar. Sem curtir. Nem compartilhar. Parentes e amigos foram checar. “Essa cidade está muito violenta”. O cachorro entrou na ambulância. “É o pessoal da cracolândia que está vindo para os bairros”.
– Afastem-se todos! Saiam. Pode haver troca de tiros.
Ainda distantes, o casal e filho viram a porta de casa ser arrombada pela tropa de choque.
Muito bom!!!!!
Muito bom mesmo!!!!!
Obrigado, parceiro!!!
Adorei!!!
Bem humorado, surpreende e uma perfeita crítica do nosso tempo 😉
Bjs
Valeu!, Aline. Obrigado pela leitura.
Grande Glauber!
De fato, hoje é a vida que rodeia os eletrônicos e não o contrário…
Grande é você, Bia! Pois é…
Glauber que ótima crônica da vida contemporânea! Expôs a dependência da vida eletrônica, a vida em família, a religião enfim, uma história completa. Maravilha amigo!
Roseli, obrigado pela sua generosidade!
Glauber,
Gostei! Sera que posso traduzir em Ingles? Assim poderei passar o seu conto adiante nas minha redes sociais aqui nos EUA.
Cleusa
Of course!!!
Pode, sim. Fique a vontade na tradução.
Thanks!
Parabéns, muito interessante! Beijos Fátima Barbosa
Obrigado, Fátima!!!
Um ótimo tema, e a situação foi muito bem explorada.
Parabéns!!
Valeu!, Rogério, obrigado!!!
ha´ha´ha´ha´. Boa Gláuber. E pior que o mundo caminha por aí mesmo. Esse negócio de tecnologia vicia a gente. Certeiro.
Valeu!, parceiro. E como vicia. Tô até pensando em me internar.
Gláuber, impressionante como vc melhora a cada nova linha.
Estou muito feliz por você!
bj
Concordo em gênero, número e degrau!!!
Silvia,
Obrigado, desde o início, pelo seu incentivo!!! bj
Plínio,
parceiro das letras, o degrau é alto, mas a gente vai conseguir avançar.
Háháháhá!!!!
Ótimo Gláuber!!!
Concordo com os outros comentários: bem humorado, bom retrato da vida atual, teu crescimento na escrita!!!
Abraço!